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Óleo afeta da imunidade à reprodução da fauna marinha, diz pesquisadora do Centro de Estudos do Mar da UFPR

O impacto para a fauna marinha está entre as consequências mais preocupantes de acidentes que envolvem vazamentos de petróleo como o que atinge o litoral do Nordeste desde pelo menos fim de agosto — quando as primeiras manchas foram avistadas pela população. Na última semana, após ser constatado na costa de nove estados nordestinos, o óleo chegou à região Sudeste, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. A atuação de centenas de voluntários na limpeza das praias ganhou repercussão país afora. De acordo com o governo federal, que mantém grupos de trabalho nas regiões desde setembro, cerca de 4 mil toneladas de óleo foram retirados das praias nordestinas até o início de novembro.

O petróleo cru já atingiu ecossistemas brasileiros protegidos, como a Reserva Biológica de Comboios e a Praia de Pontal do Ipiranga — regiões onde ocorre desova de tartarugas marinhas –, ambas no Espírito Santo, e o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, no litoral baiano, que possui biodiversidade marinha única no mundo, com presença de recifes raros. Segundo o mais recente boletim de fauna atingida do Ibama, divulgado no último dia 20, já foram encontrados cobertos de petróleo 141 animais, dos quais 100 estavam mortos. A maior parte deles (96), tartarugas marinhas; em seguida, vêm as aves (31).

Manchas de óleo sendo retiradas de praia no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Foto: Léo Domingos/Divulgação, 21/10/19

Para a pesquisadora Camila Domit, do Centro de Estudos do Mar (CEM) da UFPR, ainda é difícil prever a extensão dos danos à fauna marinha, mas é certo que serão expressivos e sentidos por várias gerações. Além dessa questão, a bióloga marinha fala na entrevista abaixo sobre como funciona o resgate de animais afetados por óleo, o sofrimento que os acomete e o peso das mortes detectadas — segundo ela, menos de 30% das carcaças chegam à costa, o que dá ideia do quanto o registro de mortalidade pode ser subestimado. Em Pontal do Paraná, Camila coordena o Laboratório de Ecologia e Conservação de Mamíferos e Répteis Marinhos (LEC), que monitora as praias paranaenses desde 2007 e, estima-se, é responsável pelo resgate de cerca de 250 animais vivos por ano.

– Ainda existem dúvidas sobre a origem do vazamento de óleo cru no litoral brasileiro. Para o resgate da fauna marinha, essa informação é importante em algum aspecto?
O tipo de óleo em si é mais importante do que precisar a origem quando falamos sobre atendimento de fauna. Diferentes tipos de óleo têm compostos diferentes e obviamente os efeitos metabólicos [transformações no organismo em nível molecular provocadas pela substância], ou seja, físicos sobre os organismos, serão diferentes. Então a forma de limpar fisicamente o animal depende de o óleo ser bruto ou refinado, não necessariamente da origem. É importante ter informações mais precisas sobre a composição química do óleo, mas saber se ele é da bacia brasileira, da venezuelana ou de uma área dos Emirados Árabes, qualquer coisa nesse sentido, não faz grande diferença para o atendimento da fauna. A origem é essencial para a contenção do vazamento e quando se tem em mente a responsabilização pelo acidente ambiental.

– Por que faz diferença a composição do vazamento: se petróleo refinado, se petróleo cru, se óleo, se petróleo combustível, etc?
A composição do óleo vai determinar o metabolismo desse óleo. Essa informação é essencial para a gente saber que amostragens devem ser feitas e principalmente o monitoramento de médio e longo prazo que será necessário nessa população para uma avaliação correta de efeitos. Ainda sobre os contaminantes, é importante a gente saber corretamente o efeito deles. Para isso, podemos avaliar como esses elementos reagem em diferentes matrizes biológicas, ou seja, nos diferentes tecidos: onde eles podem ser armazenados e metabolizados. Mas é importante a gente saber os efeitos causados por essa contaminação e quais seriam níveis de efeito subletal e de efeitos letais nesses organismos.

– Pensando na fauna da região, que animais mais devem sofrer com o vazamento?
É necessário pensar em termos de comunidades ecológicas: não há “espécies mais afetadas ou que mais sofrem”, mas sim uma comunidade, uma estrutura ecológica inteira sendo afetada por esse vazamento. Alguns animais serão afetados de maneira direta, ou seja, o próprio óleo os leva a óbito, mas existem organismos em que o efeito será mais de médio e de longo prazo, afetando a capacidade capacidade reprodutiva e mesmo a sua habilidade em resistir [manter presença] no ecossistema. Também temos que lembrar que hidrocarbonetos de maneira geral e outros compostos orgânicos têm efeito metabólico que pode causar alterações, por exemplo, no sistema imunológico dos indivíduos, causando efeito de baixa resistência imune a esses animais. Eles ficam mais suscetíveis mesmo a impactos e patógenos [micro-organismos que causam doenças] que estão presentes no ecossistema. O efeito na comunidade ecológica acaba sendo em cascata, difícil de mensurar. Por isso o termo “efeito sinérgico” ou “efeito cumulativo”, porque é uma integração de fatores no ecossistema de complexa avaliação. Para termos ideia, o trabalho de monitoramento e avaliação tem que ocorrer desde o início do acidente e é preciso ter em mente que esses efeitos vão se perpetuar por longo tempo.

– Fala-se em cerca de 100 animais encontrados mortos em mais de dois meses de vazamento. Esse número pode ser subestimado em qual medida, considerando as correntes marinhas?
É um número pequeno. Temos que considerar os estudos relativos a deriva de carcaça que mostram que em torno de 10% a 30% dos indivíduos que morrem no mar chegam a encalhar em praia. Então esse número já teria subestimado por conta desses modelos de corrente, de massas da água, e efeitos de vento e de onda. Mas também é importante considerar que o efeito de hidrocarbonetos de acidentes com óleo vai muito além do momento do acidente e da interação direta com óleo, como falei. Um exemplo foi o acidente com a British Petroleum [BP] no Golfo do México [em 2010, uma explosão de plataforma da empresa matou 11 pessoas e causou vazamento de 700 mil toneladas de petróleo no mar]. Os monitoramentos ambientais mostraram efeitos no sistema imune e na capacidade reprodutiva das espécies anos após cessar a entrada de óleo no ecossistema. Existe um histórico de vazamentos que poderíamos usar como exemplo e que deixam claro que o efeito de degradação ambiental e na fauna em específico não seria só direto nem só momentâneo.

– Como se dá o resgate de um animal coberto de petróleo?
É que o ideal é que as pessoas sejam treinados para esse resgate, que estejam utilizando equipamento de proteção individual e de proteção coletiva para que não sejam também afetadas por esse óleo. Que tenham condições e conhecimento para fazer o manejo adequado do animal, porque só estresse de captura e de manejo também vai ser um estresse extra para um animal que já tá sob o efeito nocivo da interação com o óleo. Outras questões seriam avaliar a quantidade de óleo que cobre o corpo do animal, se as vias respiratórias e via oral estão comprometidas. É preciso avaliar se é um animal com pena, uma ave, ou um animal com outro tipo de tegumento [cobertura da pele e seus anexos, como unhas e pelo]. Tudo isso interfere no trabalho. A questão é que, sendo viável, todo animal deveria ser estabilizado antes de qualquer procedimento de retirada de óleo. Quando é coberto pelo óleo, o animal passa por um processo de instabilidade metabólica geral, então pode sofrer com hipotermia ou outros problemas. A primeira questão é a estabilização feita por médicos veterinários. A limpeza em geral é feita com sabão neutro e água morna. Buchas e escovas específicas podem ajudar. Há questões relacionadas ao manejo durante a limpeza para reduzir estresse do animal e mantê-lo seguro, assim como a pessoa que está limpando. Em um acidente amplo, as condições de trabalho são piores, pois não há estrutura física e logística adequada e diversos animais chegam para atendimento ao mesmo tempo, logo é necessário avaliar que condições de emergência se tem em mãos.

Na foto, a pesquisadora Camila Domit, durante monitoramento de fauna marinha. Foto: Acervo pessoal

– O que a comunidade que acha bichos cobertos de petróleo pode fazer em termos de primeiros socorros?
Esse tema é bastante delicado, porque a falta de experiência pode causar ainda mais danos ao animal ou mesmo acabar se machucando, porque o animal também tenta se proteger. As aves têm bicos e garras, que exigem atenção no manejo, assim como ossos pneumáticos [dotados de cavidades]. Segurar e conter esse animal exige cuidado. Tartarugas marinhas têm manejo que parece simples, mas elas não têm articulações estáveis no ombro, portanto levantá-las pelas nadadeiras anteriores pode causar deslocamentos. Invertebrados e peixes em geral não têm resgate, a única alternativa é a eutanásia. Aves, répteis e mamíferos têm como caminho por estabilização e limpeza, mas é importante que se busque frentes especializadas para esse atendimento. Se não houver, o ideal é cobrir a cabeça com toalha, tomando cuidados para não sufocar o animal, e proceder a limpeza com água morna e sabão neutro.

– Por que também aves acabam afetadas pelo vazamento no mar?
Elas acabam sendo um dos grupos mais afetados porque as aves costeiras e marinhas, além de mergulhar e de se molhar, elas têm uma glândula na cauda chamada uropigial, que usam constantemente para arrumar as penas e garantir capacidade e estabilidade de voo. Por esse comportamento de arrumar as penas, as aves acabam ingerindo óleo, o que causa intoxicação ainda maior entre elas. Elas também sofrem pela posição na cadeia trófica [alimentar], já que ingerem peixes outros organismos já contaminados, gerando muitas vezes um processo de bioacumulação dos contaminantes na ave.

– Podemos inferir o que os animais sentem nessa situação?
Eles têm sintomas de sufocamento, queimadura, intoxicação crônica e de lesões diretas causadas pelo óleos em regiões mais sensíveis do corpo, como olhos. E, como comentei, existe ainda a problemática do metabólico, ou seja, da passagem de hidrocarboneto pelo trato digestório e por todo o organismo do animal, e os efeitos deletérios que isso pode ter em termos genéticos e fisiológicos.

– Como as medidas de contenção devem ser realizadas de forma a proteger na medida do possível a fauna? E em que ritmo?
O tema é amplo, mas o mais importante é que elas sejam efetivadas o mais rapidamente possível. As barreiras devem ser criadas imediatamente para que o óleo não chegue a áreas de reprodução e de agregação de espécies, assim como a ecossistemas sensíveis. A principal medida é velocidade, rapidez de resposta. A problemática no acidente no Nordeste foi a demora na contenção da mancha de óleo e de proteção das costas e de áreas sensíveis, como as de manguezais e recifes coralinos e que já se conhece como de agregação de fauna. Foi uma falha estratégica de atendimento, independentemente da origem de óleo. O Brasil tem conhecimento e estrutura para respostas e atendimento, e já atuou no território nacional e prestando ajuda fora do país. A pergunta que fica é: por que demorou tanto?

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