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Em TCC, alunas de Design Gráfico da UFPR sugerem livro infantil de letramento para crianças surdas

Em seu trabalho de conclusão de curso, as alunas de Design Gráfico da UFPR Letícia Lôndero Heleno, 23 anos, e Marluce Reque, de 25, propuseram um livro infantil voltado ao letramento de crianças surdas que pretende reduzir um abismo existente entre esse nicho e o mercado editorial padrão. A ideia do trabalho surgiu em 2016, depois de elas conhecerem livros infantis de histórias voltados ao letramento de crianças surdas em uma aula da professora Juliana Bueno, que coorientou o trabalho (leia aqui).

A discrepância no cuidado, tanto estético quanto de conteúdo, influenciaram as estudantes a buscar as características do livro ideal para esse público, que desde muito cedo é desafiado a aprender a ler e a escrever em duas línguas, Português e Língua Brasileira de Sinais (Libras). Essa essência da comunicação dos surdos — a necessidade de tradução constante — é um fator que as alunas de Design procuraram destacar no livro que criaram sob orientação da professora Carolina Calomeno.

Marluce Reque (à esq.) e Letícia Heleno se basearam nas necessidades de crianças surdas para desenvolver livro de letramento. Fotos: Samira Chami Neves / Sucom-UFPR

“As crianças surdas precisam de estímulo para aprender a ler [em Português]. Isso é importante para que elas aprendam também a se expressar na língua do país, já que acaba sendo mais prático aprender só a língua de sinais”, conta Marluce.

Por isso, o livro possui duas formas de ser contato: texto em português e tradução em Libras, com glossário das palavras-chave. A escolha tem a ver com o processo de letramento das crianças surdas, que objetiva transformar a Libras em uma língua mediadora. Ou seja, uma língua que não precisa ser ignorada nem ser a única forma de expressão da pessoa, como defende uma das autoras-base do trabalho, Sueli F. Fernandes.

Além de conciliar as duas línguas, o livro também conta com atividades pedagógicas que incitam as crianças a terem prazer na leitura. São sugestões lúdicas, como fazer um origami de canoa, aprender nós de marinheiros e localizar figuras em um cenário. As ideias foram pesquisadas em livros infantis. “Para aprender a ler, é preciso haver estímulo”, explica Marluce.

Acesso e inclusão

Outro aspecto que influenciou o desenvolvimento da proposta é o de prover material para as salas de aula inclusivas, que acolhem todas as crianças. “Nossa ideia inicial era fazer um livro acessível para crianças surdas. Mas ele acabou também inclusivo, porque pode ser usado por crianças ouvintes. É um livro com o qual todos podem interagir”, explica Letícia.

Essa é a realidade das escolas mistas, que recebem crianças surdas assim que elas chegam à quarta série do Ensino Fundamental. Trata-se de um ponto crítico na educação de crianças surdas, uma vez que elas são forçadas a aprender, por vezes, a terceira língua de suas vidas, considerando que muitas delas começaram a se comunicar com os pais por uma linguagem gestual própria da família.

Em sentido horário: a capa do livro “As Sereias da Ilha do Mel”; páginas com atividades; e o mapa. Imagens: Reprodução e Samira Chami Neves/Sucom-UFPR

Já a história do livro foi retirada de um banco de lendas mantido desde 2003 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com base em histórias orais, chamada Patrimônio Nota Dez. “As Sereias da Ilha do Mel”, contada originalmente por Letícia Agostinho, narra uma lenda que passa de pai para filho entre os moradores da Ilha do Mel, em Paranaguá (PR), e tenta explicar a origem dessas figuras mitológicas que os antigos acreditavam habitar o mar da região.

“Também queríamos valorizar histórias locais em vez de privilegiar os clássicos europeus”, afirma Letícia Heleno. “Buscamos juntar o resgate cultural com essa questão social que é a inclusão escolar”, completa Marluce.

Selecionada e adaptada a história, ela foi apresentada às crianças da turma de letramento para crianças surdas da Escola Municipal para Surdos Professora Ilza de Souza Santos, em São José dos Pinhais (PR). O grupo foi responsável por decisões estéticas, como o estilo dos personagens, inspirado em desenhos feitos pelos alunos, que cursam a 3.ª e a 4.ª séries. Outras escolhas, como fontes e cores, foram fundamentadas em bibliografia científica e em painéis semânticos.

A quatro mãos

As graduandas contam que conseguiram dividir o trabalho artístico de forma equilibrada. Além das ilustrações, feitas no computador, a montagem de cada página exigia um fundo (cenário), formado por uma foto retratando a Ilha do Mel. Isso porque uma das intenções do livro é fazer a abordagem de disciplinas variadas, como História e Geografia. “Uma das nossas páginas preferidas é a do mapa, que mostra certinho as regiões da Ilha do Mel”, conta Letícia.

Crianças interagindo com o livro; desenho feito por uma delas com base na história; as atividades disponíveis; e uma página com atividade pedagógica. Imagens: Reprodução e Acervo Pessoal

Uma contribuição importante para o trabalho partiu da professora da Ilza de Souza Santos, Suellym Opolz, que foi consultada para a adaptação da história para a Libras. Com a participação de Suellym — profissional acostumada a ler para crianças surdas –, o trabalho adotou direcionamentos como a adoção de rimas e de repetições de palavras no texto, que possibilitam a fixação dos termos, bem como o cuidado com as expressões faciais dos personagens, sempre muito visadas pelos surdos.

No fim das contas, para as graduandas, o trabalho foi também uma oportunidade de perceber como a educação que atende às necessidades do aluno pode ser mais eficaz do que se imagina.

“Da nossa parte, acho que veio mais a percepção de que algumas coisas que a gente tinha lido eram mitos, como textos que falavam que a tradução de Libras para o Português poderia ser resumida, sem precisar conjugar verbos e nem usar preposições e artigos”, conta Letícia. “Vimos que isso não era verdade, que as crianças podem aprender tudo isso, e foi através do trabalho da professora Suellym, junto com a nossa coorientadora, Juliana, que isso foi realizado”.