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Em 25 anos, Programa de Epilepsia do HC soma ensino, atendimento e pesquisa sobre casos de difícil controle

O curitibano Mário César Pauluk ainda era criança quando, sempre cedo pela manhã, começou a ver bolas de luz flutuando à frente dos seus olhos. “Eu esticava as mãos para pegar, mas acabava com dor de cabeça e por causa disso faltava à escola”. Mais tarde, já com o diagnóstico de epilepsia, Pauluk aprendeu que as alucinações são também sintomas da doença, que, em casos de difícil tratamento, podem abranger crises recorrentes de convulsão e de ausência (os chamados “brancos”). 

Pauluk começou a se tratar aos 13 no Programa de Atendimento Integral de Epilepsia do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR, quando essas crises se agravaram. Ele é um dos atuais 1,2 mil pacientes ambulatoriais do programa, mas também integra o grupo dos 450 que foram operados até hoje para a remoção de lesões cerebrais. Aos 43 anos e com a doença mais controlada, Pauluk consegue, por exemplo, se dedicar ao trabalho voluntário em instituições beneficentes, onde se veste de palhaço para conversar com crianças ou faz palestras. “A qualidade de vida melhora quando o epiléptico aceita a doença”, avalia.

Uma das referências nacionais, Programa de Atendimento de Epilepsia do HC tem hoje 1,2 mil pacientes sob atendimento no ambulatório e já viabilizou 450 cirurgias. Fotos: Marcos Solivan/Sucom-UFPR

Inaugurado em 14 de setembro de 1994, devido ao interesse de um grupo de médicos neurologistas do HC, o programa é reconhecido desde 1997 como centro de referência nacional em epilepsia pelo Ministério da Saúde no diagnóstico preciso e no tratamento de casos em que os sintomas resistem à medicação (a chamada epilepsia refratária). É aí que entra o programa do HC, que funciona como centro de atendimento de pacientes com epilepsia de difícil controle (de alta complexidade), ao mesmo tempo em que desenvolve atividades de ensino (residência medica, graduação e pós-graduação) e de pesquisa em epilepsia — um diferencial dos hospitais-escola federais.

“Esses casos difíceis, que exigem atendimento especializado, são o nosso foco”, explica o professor Carlos Eduardo Soares Silvado, que coordena o Programa de Cirurgia de Epilepsia do HC e o Grupo de Epilepsia e Eletroencefalograma (EEG), e participou da fundação do programa.

A estimativa é de que a epilepsia atinja até 2% da população, dos quais um terço sofre com sintomas recorrentes. Quando se considera o cérebro uma rede de células que interagem por meio de impulsos elétricos, a epilepsia resulta de mau funcionamento na transmissão em uma região localizada do órgão, como uma espécie de curto-circuito. “A epilepsia resulta de uma atividade elétrica anormal nos neurônios de uma determinada região cerebral que consegue se propagar pela demais regiões, provocando a crise epiléptica”, explica Silvado. No caso de Pauluk, por exemplo, a disfunção se manifestava em região do cérebro que processa a visão — daí as alucinações visuais.

Usuário do programa há 30 anos, Mário Pauluk em sessão de vídeo-monitorização; e vestido de palhaço para palestra em um lar de crianças em Curitiba, em 2018. Fotos: Marcos Solivan/Sucom e Arquivo Pessoal

Em um nível alto de complexidade, que é o âmbito de atuação do programa do HC, a doença tem impacto considerável na qualidade de vida da pessoa, o que faz com que, nos casos mais extremos, um simples espaçamento de tempo entre as crises seja uma vitória do tratamento. “A epilepsia é uma doença biopsicossocial”, explica o neurologista Luciano de Paola, chefe do programa. Isso significa que a epilepsia grave tem reflexos que influem não apenas na saúde, mas na vida inteira do sujeito: vida pessoal e profissional.

Por isso a equipe do programa é multiprofissional: abrange enfermeiros, médicos (neurologistas, neurocirurgiões, neurorradiologistas e psiquiatras) e neuropsicólogos — no total, são 14 profissionais. A avaliação neuropsicológica ajuda na investigação dos processos neurocognitivos associados às epilepsias e suas diversas manifestações. “A avaliação consiste na aplicação de testes de memória, linguagem, atenção e raciocínio durante o procedimento de investigação e colabora com informações relevantes na fase pré-operatória e também após a cirurgia”, explica neuropsicóloga Maria Joana Mader-Joaquim, que atua no programa desde o início.

Evolução

A demanda do Sistema Único de Saúde (SUS) é alta (há uma fila de espera estimada em cerca de 340 pessoas), o que resulta em um percentual considerável de pacientes do Paraná. Pelo menos 75% deles moram no Paraná, ainda que centros de referência nacionais do SUS também tenham que atender pacientes de outros Estados. Em média, o programa recebe 38 pacientes por semana. Encaminhadas pela rede do SUS, os atendidos passam por exames para diagnóstico rigoroso (como o vídeo-monitorização e o eletroencefalograma), para a investigação sobre as possíveis causas da epilepsia. São várias: tumores, síndromes neurológicas, escleroses decorrentes do processo de envelhecimento, anomalias vasculares e lesões cerebrais congênitas e adquiridas, apenas para citar algumas.

Segundo o chefe do programa, o neurologista Luciano de Paola, um em cada quatro pacientes que chegam ao ambulatório precisa ter o diagnóstico revisto. “Alguns [pacientes] tiveram eventos associados à epilepsia, como desmaios e arritmia [cardíaca], mas possuem outras enfermidades ou mesmo epilepsia associada a outras doenças, que também precisam ser tratadas”, explica. Na outra ponta, existe ainda a subnotificação da epilepsia, não raramente confundida com distúrbios psiquiátricos quando as alucinações visuais são sintoma, por exemplo.

Médicos que atuam no programa do HC: Luciano de Paola, chefe do serviço; Carlos Silvado, também professor da UFPR; e Simone Zanine, neurocirurgiã. Fotos: André Filgueira/Sucom-UFPR e Marcos Solivan/Sucom-UFPR

O programa acompanhou a evolução em diagnóstico, medicamentos e tratamentos desde a década de 90. Atualmente, a medicina tem consolidada a necessidade de tratamento ambulatório individual, com medicamentos combinados em receitas adaptadas a cada paciente. Caso ele não seja suficiente, também é possível optar pela modulação da atividade cerebral (neuromodulação), com a implantação de dispositivos que buscam corrigir as descargas elétricas. “O melhor tratamento é aquele que controla todas as crises epilépticas, podendo ser com antiepilépticos, cirurgia, neuromodulação da atividade cerebral e até a combinação de todas elas. Somente o controle de todas as crises epilépticas permite ao paciente atingir a plenitude de todas as suas potencialidades e levar uma vida independente e produtiva”, afirma o professor Carlos Silvado.

Repercussão

A última escolha é pela cirurgia. Em suas décadas de atuação, cirurgias realizadas pela equipe do programa do HC ganharam repercussão na imprensa pela complexidade. Uma delas, em junho de 2004, foi para tratar a epilepsia grave de uma menina de um ano e quatro meses — as crises convulsivas eram tão frequentes que ela chegou a ser mantida em coma induzido para contê-las. Em novembro de 2012, em outro exemplo de cirurgia desafiante, a equipe operou um menino maranhense de apenas cinco meses de idade, a pessoa mais jovem já operada no HC. A cirurgia para retirar a lesão cerebral que causava crises epilépticas graves no bebê durou cerca de sete horas.

Os casos cirúrgicos mais comuns no programa, porém, são de pessoas que já convivem com a epilepsia refratária há muitos anos. “São pessoas que estão com a qualidade de vida já bastante prejudicada, muitas sofrendo com crises convulsivas há décadas. É desafiador e gratificante”, conta a neurocirurgiã Simone Zanine, que atua no programa desde 2016. As cirurgias são geralmente acompanhadas pelos residentes em neurologia, neurocirurgia e neurologia infantil do HC, que participam ativamente das atividades do programa. A estimativa é de que mais de 40 médicos tenham se especializado no tratamento de epilepsia devido à escola do HC.

O programa acompanhou a evolução em diagnóstico, medicamentos e tratamentos desde a década de 90. Esse caminho percorrido pela medicina foi o tema de palestras que marcaram os 25 anos de programa nesta quinta-feira (19) no Anfiteatro do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, em Curitiba. A Superintendente do Complexo Hospital de Clínicas, Claudete Reggiani, destacou a importância do trabalho das pessoas que integram o programa, que “viabilizaram ao Hospital, nos seus 58 anos, ter um programa com qualidade reconhecida” e que tem contribuído para a formação de profissionais  capazes de atender a sociedade com excelência.

(Com informações da Unicom/CHC/UFPR)