A Comissão de Acompanhamento e Controle de Propagação do Novo Coronavírus na UFPR se reuniu remotamente no dia 1º de março para avaliar os números da doença no estado, bem como os índices de ocupação de leitos hospitalares, de distanciamento social e de casos e óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). A análise pretende oferecer subsídios para tomada de decisões sobre a pandemia.
Os dados analisados na reunião foram consolidados na nota técnica nº08. O documento ressalta que há evidências de que os indicadores de alerta usados para tomada de decisão sobre a evolução da Covid-19 precisam ser atualizados rapidamente, incluindo outros índices indicativos, como taxa de positividade, número absoluto de internamentos, número de pacientes com doença ativa, consumo de oxigênio e de outros insumos médicos. O objetivo seria o fornecimento de um alerta precoce do limite da capacidade hospitalar.
Confira a nota na íntegra:
Nota Técnica nº 08
01/03/2021
Comissão de acompanhamento e controle de propagação do novo Coronavírus na UFPR sobre a evolução da COVID-19 no Paraná
A Comissão reuniu-se remotamente para avaliar o estado atual da pandemia da COVID-19 no Estado do Paraná em 01/03/2021. Os principais parâmetros avaliados foram a) índices de ocupação de leitos hospitalares, b) índices de distanciamento social, c) números da doença no Estado do Paraná e d) índices de casos e óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
A Comissão levou em conta os dados apresentados pelo governo do Paraná sobre a pandemia e as diretrizes da Instrução Normativa número 109, de 29 de outubro de 2020, do governo federal, que estabelece orientações à administração pública federal sobre o retorno gradual e seguro ao trabalho presencial.
a) ÍNDICE OCUPAÇÃO DE LEITOS DE UTI
O Decreto 6983, de 26 de fevereiro de 2021, do Governo do Estado do Paraná, determinou a suspensão de atividades não essenciais para conter a disseminação da Covid-19 em vista dos altos os índices de ocupação de leitos de UTI, do crescimento do número de novas infecções nas diversas regiões do estado e da impossibilidade de expandir o número de leitos hospitalares exclusivos para Covid-19.
No boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde do PR de 28/02/2021 foi registrada ocupação média de 95,6% (sendo que 3, das 5 regiões estaduais, atingiram índice de 96% ou superior). Esses números representam o virtual esgotamento da capacidade de atender novos pacientes de Covid-19 no estado do Paraná.
b) ÍNDICE DE DISTANCIAMENTO SOCIAL
Dados do boletim da SESA sobre o isolamento social mostraram que depois de um aumento do distanciamento social em 21/02, o índice diário de distanciamento social no Estado mostrou novamente tendência de queda e chegando a apenas 46,4% em 28/02/2021
c) EVOLUÇÃO DA COVID-19 NO PARANÁ
Número de casos
De acordo com os dados obtidos pelo boletins e informes epidemiológicos da SESA/PR, o número de casos novos e de óbitos teve um pico evidente na segunda semana epidemiológica de 2021, em possível decorrência de baixo isolamento social nas festas de final de ano. Esse número manteve leve tendência de queda até a quinta semana epidemiológica, mas, em seguida, nova tendência de alta pronunciada, alcançando um incremento de 20% entre a sétima e oitava semanas epidemiológicas. Desde a 46a semana epidemiológica de 2020 o número de casos é superior 15.000 (chegando a mais de 30.000 na 50a semana/2020), completando agora 16 semanas consecutivas nesse patamar. Isso é muito significativo pois o pico da primeira onda não atingiu 15.000 casos por dia e foram apenas 14 semanas com números acima de 10.000 novos casos por dia. Similarmente, o número de infectados por milhão de habitantes superou 300 nas últimas semanas de dezembro e primeiras de janeiro, permanecendo em aproximadamente 300 na última semana analisada. Mesmo no pico da chamada primeira onda, esse número não foi maior do que 150. De acordo com o sistema de métrica da pandemia da Covid-19 do Harvard Global Health Institute (https://globalepidemics.org/key-metrics-for-covid-suppression/) valores acima de 250 novos infectados por milhão de habitantes indicam o maior grau de alerta e disseminação descontrolada da doença, com recomendação de proibição obrigatória de atividades não essenciais como medida de mitigação. O alto número de novas infecções sustentado por tão longo período certamente é responsável pelo esgotamento da capacidade do sistema de saúde no estado.
O número de óbitos tem variado desde a primeira semana epidemiológica de 383 (na 1a semana) a 283 (na quinta semana), atingindo 301 na oitava semana, completando 14 semanas consecutivas com número de mortes acima de 200. Esses números, relativizados pelo número de infectados, são menores que na primeira onda, que atingiu números absolutos semelhantes. Isso é possivelmente reflexo de um maior número de infectados serem mais jovens e também da melhor qualidade dos serviços de saúde.
d) TAXA DE REPRODUÇÃO DO NOVO CORONAVÍRUS
A análise do número de reprodução efetivo (Rt) é importante, pois mostra o declínio ou expansão da doença na comunidade.
O Rt médio semanal no Paraná, calculado utilizando dados da Loft Science, indicam que o valor está se mantendo próximo de 1, mantendo a estabilidade na proliferação de novos casos. Mas é importante ressaltar que o número de infectados tem sido muito alto, ou seja, há estabilidade em patamares muito perigosos.
e) IMPACTO DA COVID-19 EM TRABALHADORES DA ÁREA DE SAÚDE
O reflexo do estresse do sistema de saúde pode ser monitorado pelo número de profissionais da área de saúde infectados e mortos por Covid-19. Esse número tem aumentado a cada dia, levando ao esgotamento físico e emocional das equipes de saúde.
f) FILA DE ESPERA POR LEITOS
Ressalta-se que anteriormente o índice de pacientes aguardando mais de 24 horas por um leito era de 8% e agora este índice já alcança 15%. Esta demora é fruto da alta de infectados diária, pois nas últimas semanas o setor público tem aumentado o número de leitos e mesmo assim esse tempo de espera continua longo. A demora para internamento reduz as chances de sobrevivência.
g) O PERFIL DE IDADE DOS PACIENTES
O perfil de idade dos óbitos continua com incidência mais evidente em pacientes nas idades superiores a 50 anos.
CONCLUSÃO
A análise da Comissão mostra que após um pico de casos (28.194) na 2a semana epidemiológica do ano, nas últimas semanas, seguiu-se um período de 4 semanas com lenta queda ou estabilidade, chegando a 17.679 casos na 6a semana, mas sempre num patamar muito elevado de número de casos. Nas duas últimas semanas, entretanto esse quadro modificou rapidamente com acréscimo semanal de aproximadamente 20% no número de casos chegando na 8a semana epidemiológica com 25.796 casos, o que representa aproximadamente 320 casos por dia a cada milhão de habitantes.
O número efetivo de reprodução calculado por diferentes grupos de pesquisa tem ficado igual ou levemente diferente de 1,0. Um platô de número alto de novos casos diários indica que qualquer alteração das medidas adotadas até o momento que levem a maior flexibilização do distanciamento social poderá levar rapidamente à elevação da curva de incidência da COVID-19 na cidade de Curitiba, no NUC da região metropolitana de Curitiba e no Estado do Paraná.
As atuais medidas adotadas pelo Governo do Estado, portanto, são essenciais para levar a curva de infecção para patamares menores, com consequente redução da pressão sobre o sistema de saúde. Considerando o tempo de incubação e tempo de internação dos doentes, é provável que o efeito sobre o número de casos ocorra apenas depois de 2 ou 3 semanas e sobre as internações, pelo menos 30 dias.
Os possíveis efeitos das medidas de restrição social têm impacto também sobre as atividades econômicas, mas o real problema a ser enfrentado é evitar o colapso do sistema de saúde. Uma possível falta de adesão da população a estas medidas de bloqueio de transmissão é o principal risco, o que pode retardar a flexibilização em momento futuro. Ou seja, o impacto econômico e social pode ser maior se a população demorar a compreender urgência das medidas restritivas, mantendo com isso os altos índices de infecção e ocupação de leitos.
Sobre a ocupação de leitos, o que se destacou foi que a capacidade de expansão de novos leitos exclusivos para Covid-19 está praticamente exaurida. O Complexo Hospital de Clínicas da UFPR iniciou a abertura progressiva de 16 novos leitos de UTI Covid a partir do dia 3 de março. Mas, para isso, precisou reorganizar esforços, recursos e pessoal. A superlotação dos hospitais também já tem impacto sobre outras demandas do serviço de saúde, comprometendo não somente intervenções eletivas, mas também pronto-atendimento e emergência. Mantendo-se o atual cenário, podem faltar leitos de UTI e enfermaria para atendimentos dos traumas por acidente de trânsito, por exemplo.
Há a necessidade de estratégias mais efetivas de controle da transmissibilidade nos períodos pós picos, de forma a reduzir ao máximo o número de casos e pressão do sistema de saúde de forma contínua e progressiva. Desta forma, haveria oportunidade de atuação com medidas que trazem menor impacto negativo como as geradas por medidas mais restritivas, apesar de necessárias como neste último recurso, buscando assim evitar a adoção súbita de medidas mais severas.
Neste cenário, vale salientar que os impactos positivos da vacinação ainda não foram percebidos. Em primeiro lugar pelo avanço extremamente lento da vacinação no país (cerca de 6,5 milhões vacinados no país e 297.611 no Paraná) e tempo necessário para desenvolver resposta imune. Por exemplo, há demora de até 40 dias após a primeira dose de Coronavac para o desenvolvimento de resposta protetora. As medidas de restrição implementadas são também importantes para garantir os benefícios da vacinação.
Outro fator de estresse do sistema de saúde é o número ainda alto de profissionais de saúde contraindo Covid-19, uma vez que os efeitos da vacinação ainda não são sentidos, e que tem reflexos diretos na qualidade do atendimento. A falta de profissionais na linha de frente tem sido o maior limitador da quantidade de novos leitos para Covid-19. Os afastamentos por suspeita, reais infecções e até mesmo as mortes decorrentes por Covid-19 atuam exaurindo física e emocionalmente as equipes.
Finalmente a Comissão ressalta que a publicação das novas medidas de restrição, que são fortes, porém necessárias, sugerem evidências de que os indicadores de alerta que são utilizados para a tomada de decisão precisam ser atualizados mais rapidamente e deveriam incluir outros índices indicativos, pois os sinais do alto grau de contaminação já mostravam alto risco de exaustão do sistema de saúde. Assim, sugerimos que novos indicadores de alerta sejam incorporados para que medidas de contenção de danos possam ser implementadas antes do colapso do sistema de saúde. Sugerimos indicadores tais como taxa de positividade, número absoluto de internamentos, número de pacientes com doença ativa, consumo de oxigênio (uso de oxigênio independe de teste positivo, mas de doença ativa) e de outros insumos médicos possam ser incorporados aos sistemas de monitoramento, de forma transparente, para servirem de alerta precoce da exaustão da capacidade de atendimento hospitalar
A Comissão também decide manter as seguintes recomendações anteriores:
Crédito da imagem de capa: Gerd Altmann/ Pixabay