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FEDERAL DO PARANÁ

Ciência pode contribuir com a recuperação do oceano, dizem especialistas da Unesco

Um oceano limpo, saudável e resiliente, previsível, seguro, produtivo e sustentável e transparente no que se refere a dados e informações. Estes são os objetivos da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, ação global da Organização das Nações Unidas à qual a Universidade Federal do Paraná adere com a formação da rede Coalizão UFPR pela Década dos Oceanos (clique aqui e participe). O grupo está em fase de formação e acolherá pesquisadores interessados em aderir ao movimento mundial a partir da instituição.

As atividades da Década começam somente em 2021 e seguem até 2030, mas suas ações se intensificam ao longo de 2020, conforme observa o Oficial de Meio Ambiente e Água da Unesco no Brasil, Glauco Kimura, em entrevista ao Portal da UFPR. É ele, também, quem pontua a urgência de o setor acadêmico se envolver em busca da “ciência que precisamos”, um slogan que convoca cientistas, agentes públicos e setor produtivo para uma ação integrada pela sustentabilidade. 

Reprodução Unesco

Para o professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, Alexander Turra, a estimativa de que o oceano representa cerca de 19% do PIB nacional também coloca desafios em conectar a sociedade à temática. Mobilizar agentes para que essa riqueza continue e se multiplique é um dos desafios da iniciativa.

As entrevistas integram o conteúdo especial da Coalizão UFPR pela Década dos Oceanos, que traz também notícias, reportagens e material multimídia para promover a sensibilização da comunidade acadêmica e da sociedade para um dos assuntos mais relevantes da próxima década.

Saiba mais sobre a ação global e agende-se para o primeiro webinar nacional da Década da Ciência Oceânica Brasil.


Glauco Kimura, da Unesco (Foto: Divulgação)

 “Nossa relação com a água muito utilitarista”

 

Portal da UFPR: As atividades da Década dos Oceanos serão lideradas pela UNESCO. Como vocês estão se preparando para agendar o assunto e seus desafios no Brasil? 

Glauco Kimura: Em 2017, a Assembleia Geral da ONU promulgou a cada da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável a partir de 2021 ate 2030. O que são essas décadas? São períodos em que o mundo deve olhar com atenção para aquele tema, por ser um tema globalmente prioritário. O oceano acabou entrando nessa lista devido ao estado de conservação, que hoje é bastante preocupante.

situação do oceano é globalmente crítica muito por conta da primeira avaliação global que aconteceu em 2016, no primeiro relatório da ONU Meio Ambiente, que colocou claramente que precisávamos de ações urgentes para reverter o que estava acontecendo no oceano do mundo.  A partir dessa mesma decisão, também foi eleita a Comissão Ocenográfica Intergovernalmental da Unesco para coordenar os esforços.

s começamos uma fase preparatória para a década, entre 2018 a 2020. Neste período são feitos alguns eventos. Primeiro, foi definida uma governança, uma institucionalidade, com um grupo executivo global que vem trabalhando para preparação da década. Esse grupo se consolidou, teve a primeira reunião e, a partir de 2019, começaram as oficinas regionais de consulta, em um nível  global. Até agora, foram 12 oficinas regionais de consultauma delas realizada no Brasilem novembro de 2019, no Rio de Janeiro, a consulta do Atlântico Sul.  

Agora em 2020 nós estamos às vésperas, no último ano da fase preparatória. O Brasil entrou porque sediou uma das oficinas regionais globais e, partir dali, começou a se movimentar em torno do tema oceano.

Teve um evento da Fundação Boticário, o Conexão Oceano, que envolveu os principais atores de oceano no Brasil. Teve, infelizmente, o desastre ambiental, que foi um vazamento de óleo que afetou praticamente toda a Costa Brasileira, e teve uma ação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, com o lançamento de um edital para financiar pesquisas de remediação daquele problema.

Por fim, nós tivemos a criação de um comitê gestorformado por 15 instituições, lançado juntamente com um site. O comitê gestor vai fazer um processo preparatório para a Década no Brasil, semelhante com o processo preparatório global. Teremos sete oficinas de consulta, sendo duas nacionais e cinco subnacionais, entre o dia 19 de agosto  até o dia 2 de dezembro.

Reprodução Unesco

O senhor avalia que a preservação/sustentabilidade das águas ainda é um tema desconhecido dos brasileiros? Como a questão da água doce pode ser associada à Década dos Ocenos? 

Eu acredito que a sociedade brasileira ainda está muito distante de ter um maior conhecimento do tema meio-ambiente em todos os seus aspectos, seja floresta, seja clima, seja água, etc.

Eu considero nossa relação com a água muito utilitarista, fruto de uma cultura secular de abundância, pois nós somos um país muito rico em recursos naturais. Isso fez com que o povo brasileiro, via de regraencarasse os recursos naturais como se fossem recursos inesgotáveis. A gente acaba lembrando da água quanto falta, o que é muito ruim porque a gente está sempre atuando na remediação de um problema  

É muito curioso porque o Brasil possui de 12 a 14% da água doce superficial do planeta, então aqui eu pensei que a gente nunca poderia passar por crises hídricas. Mas estamos nos concentrando cada vez mais nas grandes áreas, nas zonas urbanasnas metrópoles, a demanda local começa a crescer muito, a água começa a ficar escassa e nós lembramos da sua importância. 

Atrelado essa cultura da abundância, do utilitarismo, nós temos até mesmo uma falta de educação formal da relação que existe entre a água doce salgada. água do mar evapora e volta em forma de chuvaalimentando nossos rios e aquíferos como parte de um ciclo. Então essa já é uma primeira interdependência. Também fica muito difícil para as pessoas conectarem que a água de um rio que corre, numa zona rural ou urbana, vai desaguar no mar. Então, às vezes, se esquece que tudo de bom e de ruim do rio vai parar no mar.

E aí vem um problema sério, pois grande parte do lixo marinho hoje vem do continente 90% é produzido nas grandes cidades, no continente, e isso é carregado para o mar. 

A estratégia que adotamos para falar sobre isso é o conceito de cultura oceânica, que foi traduzido para o português brasileiro, mas em inglês é Ocean Literacy, literalmente alfabetização oceânica. A ideia é um pouco essa: alfabetizar sociedade sobre o oceano, pois a sociedade precisa entender como o oceano funciona e a importância dele para sua vida. Trata-se de entender a importância disso no dia a dia e deixar cada vez mais claro quanto as nossas ações têm impacto.

Nós pretendemos consultar os principais atores envolvidos com o tema Oceano no Brasil, pegar todos os subsídios e insumos e fazer um plano nacional de implementação da década, que vai ficar pronto no início do ano que vem e vai conversar com o plano da década global. Nós estamos conseguindo uma movimentação muito positiva e pretendemos, a partir do ano que vem, conseguir engajar o máximo de instituições, empresas e sociedade civil para que esse tema realmente ganhe tração e força para os próximos 10 anos.  

Quais o senhor destacaria como os principais ganhos e desafios associados à década dos oceanos? 

Em termos de ganhos, a década é uma janela de oportunidades únicas, com ganhos variados, como o de promover a chamada economia azul, conceito ligado às novas formas de desenvolvimento econômico que respeitam os limites sustentáveis do oceano. Então, por exemplo, há empresas que poderiam, inclusive, lucrar com a economia circular , que consiste em conseguir  transformar uma cadeia produtiva poluente em uma cadeia produtiva fechada e lucrativa. Temos que lembrar que essa é a década da ciência oceânica, porque precisamos gerar informação para que essas coisas possam acontecer.

É preciso realmente unir ciência e cientistas com as políticas e com os empresários, colocar esses atores para conversar interagirAí você consegue, por exemplo, que uma empresa possa investir em inovaçãopara que ela possa produzir, gerar novos produtos.   

Então, isso começa a criar oportunidades e talvez investimentos em pesquisa, que está tão decrescente hoje no Brasil . Talvez a década possa impulsionar novas oportunidades em pesquisa, tecnologia e inovação no aspecto do oceano, inclusive até energia de marisma, que é a energia gerada pela movimentação das ondas, uma forma de geração alternativa, não poluente, renovável não convencional. 

Em termos de desafios eu vejo que a gente passa por um momento, não só no Brasil, mas no mundo, que é um movimento contrário ao da criatividade, da inovação, da pesquisa. Estamos  vivendo um momento de negação da importância da pesquisa, da tecnologia, da inovação e do conhecimento para o nosso desenvolvimento como nação, como sociedade. Vejo isso como um grande desafio: convencermos a sociedade e o governo de que pesquisa gera benefícios, gera retorno 

Qual é a relevância da organização da comunidade acadêmica para a força tarefa efetivar a década e sua agenda temática no Brasil? 

Nós queremos que a comunidade acadêmica seja protagonista da década, pois essa é a década da ciência oceânica. Nós temos uma noção do oceano que temos hoje, em 2020. Mas nós temos que projetar o oceano que queremos daqui a 10 anos, em 2030Entre o que temos e o que queremos nós temosali, a ciência que precisamos. O lema da década é a ciência que precisamos para o oceano que queremos. 

A ciência que precisamos se desdobra em quatro grandes objetivos científicos e 16 ações estratégicas. Então, a ciência oceânica vai ser o veículo de materialização do oceano que queremos daqui a dez anos. A participação dos cientistas e pesquisadores do setor acadêmico é imprescindível, essencial para que a cada aconteça. Nós convidamos todas as universidades, centros de pesquisa que tenham pesquisas relacionadas direta ou indiretamente ao oceano que se engajem nesse movimento, participem dos eventos preparatórios e participem dessa massa crítica de atores. Que nos procurem, se cadastrem tanto no site da década global, como na nossa base de dados, do Brasil, que temos o desejo de implantar até o ano que vem.  

Eu gostaria muito de contar com a parceria da Universidade Federal do Paraná nessa coalizão, pois é um centro de excelência em oceanografia e envolve muitos pesquisadores e especialistas. Gostaríamos muito de contar com essa rede para estar conosco no processo preparatório. 


 

Professor Alexander Turra, responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano

 

“Universidades têm papel central para mudar a realidade”

Portal da UFPR: A Década dos Oceanos tem uma abrangência mundial e vai unir esforços de todos os países pelo conhecimento e sustentabilidade. Qual seria o papel das universidades brasileiras em um cenário tão amplo? 

Alexander Turra: A Década do Oceano tem uma abrangência mundial, mas ela também deve se conectar às ações em nível local. Nesse sentido, as universidades do mundo inteiro têm um papel estratégico e crucial em fazer essas conexões, especialmente porque a década é a década das Nações Unidas para a ciência oceânica para o desenvolvimento sustentável.

Então, o seu grande foco, além de trazer para a sociedade de uma forma geral conhecimento sobre os oceanos, é sim produzir um conhecimento que está faltando para que a gente consiga atingir e promover os oceanos que a gente quer.

As  universidades têm um papel central não só em disseminar essa temática para a sociedade, para suas áreas de abrangênciaonde estão inseridas, mas também em produzir o conhecimento que é necessário para que a gente mude a realidade que os oceanos estão enfrentando hoje , de grande degradação ambiental. Nesse sentido , as universidades também têm um papel crucial na formação de recursos humanos, que vão ser os profissionais que irão atuar na década e além dela. 

No mapa, Unesco problematiza distribuição desigual nas capacidades globais em ciência oceânica (Reprodução Unesco)

 

 

Uma das missões da década parece ser agendar o assunto para o grande público. Como pesquisador, quais temas o senhor considera mais urgentes para o debate nacional? 

Um dos papéis mais  importante da década é buscar uma aproximação entre o oceano e a sociedade. Nesse sentidoé fundamental que a sociedade compreenda a importância do oceano e que ela compreenda de que forma, nas ações diárias, corriqueiras ou de uma forma mais estratégica, coletiva, por meio de ações políticas, pode-se garantir que o oceano tenha um destino como se deseja: saudávelprodutivo e que indique que estamos fazendo jus à dádiva que nos foi dada 

Temos que ter muita responsabilidade em lidar com o oceano. Nesse sentindo, a forma que a universidade trata esses temas emergentesimportantesé fundamental. Como alguns exemplos, nós temos como temas bastante atuais e importantes: a crise da biodiversidade, pois com a perda da biodiversidade nós perdemos muitos serviços que o ambiente presta. Temos, também, as mudanças climáticas como um tema extremamente importante, com desdobramentos sociais e econômicos gigantescos. Temos o problema da poluição, que afeta não só a biodiversidade, mas também as pessoas. Temos um tema atual que está sendo fomentado para ser desenvolvido fortemente ao longo da década, que é o que se chama de economia azul – buscar o desenvolvimento de tecnologia, de inovações para se utilizar dos bens e serviços que estão no ambiente marinho de uma forma mas a abrangente.

Há um horizonte de dez anos para que a agenda dos ODS da ONU se efetive. No que se refere aos oceanos, o senhor acha que estamos em um caminho otimista aqui no Brasil? Em caso negativo, como superar os desafios? 

Nesse período em que a década vai ser construída ou vivenciada temos muitos desafios no mundo e no Brasil. A capacidade de o Brasil superar esses desafios vai depender da sua capacidade de articulaçãoda priorização desse tema e da mobilização de pessoas, instituições e recursos para fazer essa realidade que vivemos hoje mudar. Hoje, os oceanos aqui no Brasil não são necessariamente prioridade, embora o destaque ao oceano tenha aumentado em função de algumas peculiaridade,  de algumas informações que foram produzidas recentemente mostrando a sua importância para o país 

Há uma estimativa de que o oceano represente cerca de 19% do PIB nacional, do produto interno bruto nacional, o que é muito parecido com agricultura. Então, quando nós vemos um dado como esse, quando país vê um dado como esse, é importante que ele comece a se mobilizar para garantir que essa riqueza continue sendo produzida. 

Mas nós temos muitos riscos a essas riquezas, as monetárias e as não monetárias. Esse é um grande risco que a gente tem com a fragilização da agenda ambiental, com o risco de aumentar a pressão sobre esses ambientes em função de uma política de licenciamento ambiental fragilizada, de políticas que  não valorizam as comunidades tradicionais, que têm um conhecimento muito particular do ambiente marinho e que dependem de um contato próximo com esse ambiente, de um ambiente saudável para poder a viver com dignidade. 

Nós temos uma grande oportunidade e temos grandes desafios. No caso da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, eu vejo que a gente tem um protagonismo muito grandeuma tentativa de trazer essa agenda, de fortalecer essa janela no Brasil e trazer, junto com essas forças, outras instituiçõesoutras visões, outras energias para que esse processo seja abrangente e contemple as diferentes visões, interesses princípios que amparam o pensar de um oceano no futuro. 

 

Como o senhor vê as redes de pesquisa sobre essa temática no Brasil? Elas estão se formando? Como agrupar pesquisadores, professores e educadores ambientais em um país tão vasto e fazer com que suas agendas convirjam?   

As redes de pesquisa e ação no tema oceano no Brasil estão se estruturando e se ampliando em número. Elas estão, também, convergindo em termos de atuação. Nós temos, por exemplo, o Painel Marque é uma rede de redes, que, via um projeto denominado Horizonte Oceânico Brasileiro, tem buscado a formação de jovens lideranças para atuação nesta temática. Esse projeto é financiado pela Fundação Boticário e envolve uma série de parceiros, um ponto muito importante e que exemplifica esse movimento de atuação em redes. 

Nós temos as redes temáticasrelacionadas ao monitoramento de habitats costeiros, redes de pessoas que estudam alga, redes de pessoas que estudam o clima, entre outras. Essas redes  têm uma certa redundância porque as pessoas que participam de uma também participam de outras. Então, nós temos hoje uma grande conexão entre os pesquisadores e as universidades em função dessas redes. 

Isso faz com que a gente consiga ter uma certa otimização dos recursos existentes, uma vez que a gente tem algumas limitações de custos, deslocamento. A gente consegue canalizar as energias dos recursos em uma atuação para ações até em nível nacional. É isso que está acontecendo atualmente e que vem sendo fortalecido pelas iniciativas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em relação à década. 

Por exemplo, ao longo dos próximos meses  uma série de seminários regionais e nacionais: serão dois seminários nacionais e cinco seminários regionais que buscarão  um diálogo com os atores dessas diferentes localidades para contribuir com o Plano Nacional da Década, que vai dar o tom de como as coisas vão ser estruturadas aqui no Brasil. É uma iniciativa que busca dar protagonismo para as universidades e para os mais variados setores da sociedade para que se tenha um caminho consciencioso, convergente, forte, fortalecidoamplo, alegre  e que consiga realmente fazer a transformação que a gente precisa para a nossa realidade oceânica costeira aqui no Brasil. 

 

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