A primeira das duas edições de “Os Lusíadas”, obra do português Luís Vaz de Camões, e dois exemplares da Bíblia de Mogúncia (latina), de 1462, são exemplos do acervo da Biblioteca Nacional, instalada no Rio de Janeiro. A poluição atmosférica deste ambiente, que abriga essas raras produções e inúmeras outras de grande valor histórico/cultural, passa por avaliação de docentes e alunos da Universidade Federal do Paraná, que desde janeiro de 2014 realiza estudos no local.
Segundo o coordenador do projeto, professor de Engenharia Ambiental Ricardo Godoi, o objetivo da pesquisa é verificar não apenas os níveis de poluição a que as obras estão expostas mas, também, os efeitos causados sobre elas e a melhor maneira de efetuar a conservação preventiva. As sugestões para evitar degradações futuras sobre o acervo – enegrecimento, corrosão de superfícies, fissuras, desbotamento de pigmentos, fragilização de papéis e couros, dentre outras – serão apresentadas em abril, num workshop que tratará da conservação preventiva de coleções documentais em prédios históricos.
Entre as 10 do mundo
Godoi explica que o estudo foi motivado pela importância da Biblioteca Nacional – foi fundada em 1910 e é considerada pela Unesco como uma das 10 maiores do mundo; abriga acervo raro; e obras são expostas à poluição atmosférica do entorno. O docente ressalta que a localização da Biblioteca – região central da cidade e caracterizada por intenso tráfego de veículos – além de materiais do próprio acervo – que podem emitir gases poluentes – são fontes de risco constante para a preservação dos registros bibliográficos.
Ricardo Godoi defende que a herança cultural brasileira depositada na Biblioteca Nacional seja mantida para que as gerações futuras tenham acesso a ela, afinal, “são nada menos que nove milhões de peças (livros, mapas, manuscritos, música e periódicos)”. Segundo ele, integram o acervo poemas escritos e autografados por Carlos Drummond de Andrade; a primeira edição da Arte da Gramática da Língua Portuguesa, de autoria do Padre Anchieta, bem como cartas referentes aos territórios de Portugal, das suas colônias e das conquistas no Ocidente e no Oriente (séculos XVI e XVII).
Riscos ao acervo e saúde
O coordenador, que atua neste projeto com a docente Ana Flavia Godoi e as estudantes de iniciação científica Anna Ferreira e Tainara Ogawa, comenta que as pesquisas de poluição atmosférica são desenvolvidas no Laboratório de Análise e Qualidade do Ar (LabAir/Setor de Tecnologia da UFPR). Neste local são feitos estudos para verificar níveis de concentração de gases como ozônio, óxidos de nitrogênio e enxofre, formaldeído, acetaldeído, compostos orgânicos voláteis, e material particulado como a fuligem (black carbon). “Não apenas o acervo corre riscos de degradação quando exposto a estes materiais, mas a saúde das pessoas que trabalham e visitam a Biblioteca pode ser afetada, enfatiza Godoi.
De acordo com o docente, ainda não foram reportados na literatura níveis mínimos de concentração de poluentes que possam garantir a exposição segura de acervos como este da Biblioteca Nacional. Por isto, “a pesquisa representa um grande passo para a conservação da história e pode servir de subsídio na tomada de decisões quanto ao gerenciamento de acervos em todo o Brasil”.
O projeto, realizado pela UFPR (recursos humanos e financeiros) em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura, envolve acervos bibliográficos muitos antigos: datam de 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, explica Godoi. O professor de Engenharia Ambiental destaca, também, que países do continente europeu e nos Estados Unidos realizam mais comumente estudos em ambientes internos. No entanto, esta prática é ainda é muito pequena em países em desenvolvimento, especialmente em áreas de clima tropical e subtropical, como é o caso do Brasil.