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Pint of Science lota bares de Curitiba em palestras descontraídas sobre ciência

Hideyo Aoki, de 78 anos, entrou no bar esperando encontrá-lo vazio. Afinal, a noite ali seria dedicada a um festival de divulgação científica – e ciência não é lá um assunto muito popular, pensou. Estava enganado. Tinha até gente sentada no chão para escutar o professor e pesquisador Guilherme Romanelli falar da relação entre música e ciência, numa das 15 sessões de bate-papo realizadas em Curitiba durante o Pint of Science, evento que acontece esta semana em cidades de 21 países (56 delas no Brasil).

O festival foi criado para despertar em pessoas como Aoki, distantes do meio acadêmico, o interesse por temas científicos. Por isso, acontece em bares, de forma bem descontraída. Tem sido em sucesso. Em Curitiba, esta é a segunda edição do evento. Ao final da terceira noite, nesta quarta-feira (16), cerca de 2 mil pessoas deverão ter passado pelos cinco bares participantes.

Agrônomo aposentado, formado pela Universidade de São Paulo em Piracicaba, Aoki descobriu o Pint of Science por meio de uma matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo. Até ali, seu contato com a música se resumia ao que ouve no rádio. “Eu gosto muito de blues, ouço todos os dias. Por isso me interessei pelo tema, e fiquei surpreso com o número de pessoas aqui”, disse. “Além de ser um bom palestrante, o professor é um músico talentoso. Achei fantástico.”

Professor no Setor de Educação e da pós-graduação em Música da UFPR, violinista e violista, Romanelli começou explicando que “a música é a arte de coordenar fenômenos acústicos para produzir efeitos estéticos”.

“Falar de música é falar de física, e também discutir matemática, geometria, química, biologia e até estudos de resinas. Afinal, o tipo de madeira que constitui o arco de um violino influencia na qualidade do instrumento”, explicou.

Com o apoio do violino, o pesquisador envolveu a plateia no tema. Primeiro, testou o repertório musical do público, fazendo um quiz com três músicas. Depois, tocou um trecho de Alone, do italiano Ennio Morricone, e pediu que o público descrevesse as ideias evocadas pela música. Índios, lugar escuro e úmido, rituais, caça apareceram entre as respostas. Só então Romanelli contou que a composição foi inspirada na mata atlântica e feita para o filme A Missão (1986), que conta a história de um padre jesuíta que vem catequizar índios na América do Sul. As respostas, portanto, faziam sentido, ilustrando o poder da música de transmitir sensações.

Romanelli também falou sobre o que considera as três dimensões da experiência musical: a cultural (que traz um contexto social e histórico), o pessoal (contexto psicológico) e a dimensão universal (fenômenos acústicos). Isso explica, por exemplo, por que uma canção de ninar na República do Congo é totalmente distinta da nossa.

Outro exemplo que deixou o público encantado é como associamos a intensidade do som a emoções. Romanelli exemplificou tocando “Parabéns para você” primeiro com uma intensidade mais forte, que passa sensação de animação e festejo, e depois mais fraca, fazendo-a parecer mais uma canção fúnebre do que uma canção de aniversário. Isso acontece porque fomos ensinados a pensar que músicas alegres são mais fortes e as mais fracas são tristes, e isso influencia até mesmo quando ouvimos músicas em outras línguas. Mesmo não entendendo uma língua estrangeira, criamos sensações próprias só de ouvir a batida ou o ritmo da música e concebemos nossa interpretação pessoal.

“Vim para buscar inspiração para meu trabalho de conclusão de curso”, contou Élida Rodrigues, estudante de Física na universidade que está produzindo seu TCC sobre a relação entre física e música. “Eu gosto muito dessa aula expositiva em que o professor demonstra com o violino aquilo que está explicando”, comentou.

Vulcões

Enquanto Romanelli falava sobre música, em outro bar – o Hop’n Roll Brewpub – uma plateia atenta ouvia o professor Otávio Augusto Boni Licht, do Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFPR, falar sobre “Vulcões: veias “É impressionante uma cervejaria lotada de pessoas interessadas num tema científico, ouvindo em silêncio”, disse Licht, que mesclou ciência, literatura e mitologia para falar do assunto.

Ele lembrou que na mitologia grega Hefesto era deus dos metais, do fogo e dos vulcões. Já no período helenista, os romanos transpuseram o mito da divindade grega e o transformaram em Vulcano. Assim, muito antes dos estudos geológicos em torno dos vulcões a humanidade já os reverenciava, atribuindo-lhes simbolismos.

Licht mencionou também a presença de vulcões e atividades sísmicas em obras literárias – como o clássico livro de ficção científica “Viagem ao Centro da Terra”, escrito por Júlio Verne em 1864, e mesmo “O Pequeno Príncipe”, de 1943, escrito por Antoine de Saint-Exupéry, no qual o menino diz ter vindo de um asteróide com três vulcões.

O professor Otávio Licht falou sobre vulcões para uma plateia atenta e animada. Foto: Nicolle Schumacher – Sucom/UFPR

Entre as pessoas que foram ao bar para ouvir o professor estavam os integrantes da banda Vulcanióticos – cujo nome explica o interesse pelo tema. “A nossa inspiração são os vulcões, tanto que cada integrante da banda representa o arquétipo de um vulcão. Não há muitas palestras sobre o assunto, por isso estamos aqui”, contou a sanfoneira da banda, Zime Bagana.

O doutorando Ricardo Silveira do Departamento de Geografia, também foi à palestra. “É uma oportunidade de tratar a ciência de uma forma mais didática e para um público maior”, disse.

Por que saber sobre vulcões?

Engana-se quem acredita que há apenas um tipo de vulcão no planeta Terra. De acordo com o professor Otávio Licht, existem pelo menos três tipologias de vulcões espalhadas pelo mundo, inclusive no Brasil. “Em geral os vulcões do Havaí ou os vulcões explosivos da Islândia são os que ocupam o imaginário popular, por causa da exposição na mídia”, comenta o professor.

No entanto, boa parte dos solos de planaltos brasileiros, incluindo o de Curitiba, é formado por rochas vulcânicas: algumas mais recentes, outra nem tanto. “A geologia brasileira é rica em terrenos vulcânicos antigos, como também mais recentes – as ilhas vulcânicas”. De acordo com o docente, vulcões indicam que a Terra é um planeta vivo, com uma espécie de emaranhado de tubulações escoando material fundido pelo subsolo. “A Lua, por exemplo não tem nenhum vulcão ativo”, comparou.

Outro ponto importante, de acordo com Otávio, diz respeito às aplicações dos estudos sobre vulcões. “As pessoas não imaginam que, por exemplo, quando alguém se contamina pelo consumo de água com materiais rochosos ou quando um solo é extremamente fértil, isso tem a ver com a origem das rochas que, por sua vez, são vulcânicas”.

Aproximação

Para os pesquisadores que participam do Pint of Science, o festival é uma iniciativa importante para desmistificar a ciência e atrair talentos para a pesquisa acadêmica.
“Essa popularização da ciência é algo extremamente necessário para tirar os pesquisadores do pedestal e mostrar à sociedade o que estamos fazendo”, avalia o professor Otávio Licht.

“Essa aproximação entre ciência e sociedade dá sentido à pesquisa”, completa Guilherme Romanelli. De acordo com ele, debates fora do meio acadêmico geram perguntas “profundamente intrigantes e às vezes mais intrigantes do que as perguntas que os pesquisadores fazem sobre as suas próprias pesquisas”.

Para o coordenador do evento em Curitiba, professor Lauro Luiz Samojeden, do Departamento de Física da UFPR, a segunda edição do Pint of Science superou as expectativas: “Os temas foram muito bem aceitos pelo público, os bares garantiram um bom atendimento e os palestrantes se sentiram bem aàvontade e satisfeitos em contribuir para essa animadíssima divulgação científica”.

Pedro Macedo e Valsui Junior, com supervisão de Lorena Klenk

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