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“Foi um inferno que aconteceu”, conta sobrevivente da Bomba de Hiroxima em evento promovido pela UFPR

Por volta das 8 horas, a manhã de 6 de agosto de 1945 era de sol claro e sem nuvens na cidade de Hiroxima, onde viviam cerca de 350 mil japoneses. Pelo contraste com as cenas que se seguiram depois das 8h15, esse tempo agradável, que fazia a população esquecer momentaneamente a Segunda Guerra Mundial, também ficou na lembrança dos sobreviventes da bomba atômica “Little Boy”, lançada pelos Estados Unidos sobre a cidade naquele dia. No dia 9, foi a vez de Nagasaki, de 263 mil habitantes, ser bombardeada.

“Foi um inferno que aconteceu. Aconteceu em Hiroxima e Nagasaki”, conta Junko Watanabe, moradora de Hiroxima que tinha dois anos na época. Além de Junko, outros dois sobreviventes do episódio conhecido como Bomba de Hiroxima — Kunihiko Bonkohara e Takashi Morita — falaram sobre suas memórias na palestra promovida pelo Departamento de Letras Estrangeiras Modernas (Delem) da UFPR, nesta sexta-feira (14), no Setor de Ciências Sociais Aplicadas, em Curitiba. O evento contou ainda com a participação da professora Miyoko Saito, que morava em Tóquio durante a guerra, e do produtor teatral Rogério Nagai.

Os participantes da palestra, da esq. para a dir.: Miyoko Saito, Rogério Nagai, Takashi Morita, Kunihiko Bonkohara e Junko Watanabe. Fotos: Nicolle Schumacher/Sucom-UFPR

Junko, Bonkohrara e Morita são atores em uma peça escrita e dirigida por Nagai desde 2014, chamada “Os Três Sobreviventes pela Paz”. A montagem foi desenvolvida a partir de 2012, quando Nagai tomou conhecimento de que 112 sobreviventes da bomba atômica residiam no Brasil. “Sequer imaginava que existiam sobreviventes, ainda mais no Brasil. Sempre achei que existia um vácuo na história [da Segunda Guerra Mundial], muita coisa sobre o nazismo e o holocausto [judeu], mas pouco sobre Hiroxima”, diz ele.

A peça terá apresentação única em Curitiba neste sábado (15), às 20 horas, no auditório da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).

Clarão

A memória dos sobreviventes guardou cenas e sensações de 6 de agosto de 1945. Uma delas é o clarão da explosão da bomba, ocorrida a cerca de 600 metros de altura em relação ao chão. Outra, o vento que veio depois da explosão e arrastou tudo por dezenas de metros. Também o calor, a sede, as queimaduras profundas. No epicentro da explosão, calcula-se que a temperatura tenha chegado a 3 mil graus. Depois, a chuva negra, carregada de radiação, que manchou roupas e paredes de preto, assim como fez o céu escurecer em poucos minutos.

O militar Takashi Morita tinha 21 anos e ajudava no policiamento da cidade naquela manhã. “Era um bom dia, com sol claro”, conta. Acostumados com as sirenes que avisavam sobre ataques aéreos, os japoneses ouviram um aviso breve, que logo cessou porque só um Boeing B-29 e dois caças surgiram no céu. Na sequência, houve o barulho da explosão.

“Um barulho alto… Uma bomba e tudo ‘quebrou'”, conta Morita. “Muitas pessoas machucadas, queimadas, mortas. Pense bem, nesse auditório, que está cheio, e vem uma bomba matar todos. Todos queimados, chamando ‘mamãe’ ou ‘socorro’. Passaram-se mais de 70 anos, mas eu não esqueço”.

A nuvem gerada pela explosão da bomba sobre Hiroxima; e registro da destruição da cidade. Fotos: U.S. Army/Wikimedia Commons

Hoje com 78 anos, Kunihiko Bonkohara era um menino de cinco anos que tinha se mudado em março da província de Shizuoka, aos pés do Monte Fuji, para Hiroxima. Na manhã do ataque, estava no escritório do pai. A mãe tinha saído para o trabalho no governo antes das 8 horas e quase levado o filho com ela, mas o pai achou que ele atrapalharia. Bonkohara recorda-se de estar perto da escrivaninha do pai, ao lado dele, quando ocorreu o clarão.

“De repente, muito claro, muito claro”, lembra-se. O pai o puxou para baixo da mesa e protegeu o menino com o corpo. Depois da explosão, telhado, portas e janelas do prédio foram carregados pelo vento. “Acalmou a poeira, meu pai se levantou. Foi quando vi que as costas dele estavam sangrando. Braço e perna também. No escritório, as duas pessoas também estavam sangrando”. Saíram para a rua em seguida, para procurar a mãe de Bonkohara e saber do estado da casa da família, que foi destruída.

Foi quando o céu escureceu e começou a chuva. “Eu vestia camisa branca e ficou manchada de preto. Na rua, as pessoas fugiam sem rumo, para lá e para cá”. Bonkohara lembra-se de que a maioria tinha o rosto queimado, estava sem cabelos, com as roupas queimadas e fixadas à pele, que se descolava do corpo. “Dia 6 de agosto foi o dia inteiro as pessoas machucadas, queimadas e pedindo água. À tarde, muitas dessas pessoas já tinham morrido. À noite, minha mãe não voltou para casa”.

Destruição

Cedo no dia seguinte, o pai de Bonkohara saiu de bicicleta, com o filho na garupa, procurando a esposa, mãe do menino. No rio Ota, que corta Hiroxima, viram muitos corpos boiando. “As pessoas procuravam familiares, mas os corpos já estavam irreconhecíveis”, conta Bonkohara. “No caminho, vimos pessoas sentadas, muito machucadas, corpos carbonizados, montanhas de cinzas. Meu pai falou que eu não devia pisar nas cinzas, porque debaixo delas havia gente morta. Lembro dessa ordem do meu pai”.

Os sobreviventes: Kunihiko Bonkohara, Takashi Morita, Junko Watanabe e Miyoko Saito

Pequena demais para se lembrar de cenas assim, Junko conta ter se emocionado a ver, já adulta, as imagens da destruição da sua cidade natal. “Imagem era muito horrível, porque aquele dia de tempo bom, um dia que começava, crianças, mulheres e idosos morreram na hora. As crianças pequenas que sobreviveram não entendiam o porquê da escuridão, das roupas e dos cabelos queimados”.

Em Hiroxima, estima-se que 166 mil pessoas morreram no ataque e por problemas de saúde decorrentes da exposição à radiação.

História

Quando Hiroxima se tornou a primeira cidade do mundo a ser alvo de uma bomba atômica, fazia três meses da queda da Alemanha e quase dois anos da derrota da Itália. O Japão, por sua vez, ainda sob o fascismo japonês, enfrentava grave desabastecimento. Miyoko Saito, que tinha 12 anos e morava em Tóquio, contou de uma viagem de trem que fez ao lado da mãe em busca de alimentos no interior do país.

“Na mesa não havia nada, nem arroz, sal ou açúcar. O governo distribuía às vezes cascas de algas. Começamos a passar fome”, conta. “Eu e minha mãe fomos de trem buscar comida no interior, onde ainda havia arroz e batata doce. Os trens estavam cheios de gente. Chegando lá, o dinheiro não valia nada, então trocávamos coisas. Minha mãe tinha muitos quimonos e trocamos por batata doce”.

Fatos como esse fortalecem a constatação de que, em 1945, era evidente a falta de recursos para que o Japão mantivesse a Guerra do Pacífico, que o país havia iniciado ao atacar a base militar norte-americana de Pearl Harbor, em 1941. Em entrevista à revista Newsweek, em 1963, o general Dwight Eisenhower informou ter avisado o secretário de guerra dos Estados Unidos, Henry L. Stimson, que “os japoneses estavam prestes a se render e não era necessário atacá-los com aquela coisa horrível”. A rendição oficial do Japão ocorreu em 15 de agosto.

Nagai registrou esse questionamento durante a palestra. “Houve uma grande pressão [nos EUA] para que a bomba fosse usada. O projeto tinha custado bilhões de dinheiro do governo e de indústrias”, disse. Depois da destruição das cidades japonesas, as bombas atômicas marcaram a corrida armamentista da Guerra Fria. Para o diretor de teatro, esse é um alerta contra o “militarismo”, que “infelizmente está em ascensão no mundo”.

Confira aqui fotos da palestra

Assista a palestra na íntegra no canal da UFPR TV no YouTube:

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