Pesquisadores de Design Gráfico da UFPR participaram do desenvolvimento de um projeto que pode transformar as regras para rotulagem de alimentos no Brasil ao focar no direito do consumidor à informação sobre os produtos. Já em fase de apresentação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a proposta sugere a implementação de alertas nas embalagens na intenção de ajudar o consumidor a tomar decisões de compras baseadas no impacto do alimento na saúde.
A iniciativa é liderada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e tem como ponto central vencer as dificuldades enfrentadas por consumidores para entender os rótulos e conhecer os alimentos. A principal delas é saber as reais características nutricionais dos produtos, que hoje podem estar dispersas em meio a muitas cores, promessas, nomes irreconhecíveis de ingredientes e porções não tabeladas.
Outro pioneirismo da iniciativa é posicionar a ciência do design informacional no centro das decisões que podem compor a nova regulamentação. Assim, os pesquisadores atenderam aos objetivos do Idec ao mesmo tempo em que compararam a eficácia de experiências brasileiras e estrangeiras na área, sempre sob o ponto de vista do Design de Informação.
Na semana passada, o Idec apresentou à Anvisa um abaixo-assinado com cerca de 18 mil assinaturas de apoio à proposta, mas o instituto pretende reunir pelo menos 30 mil até a consulta pública que a agência vai realizar sobre o tema, ainda sem data marcada. A petição continua no ar.
Design informacional
“O diferencial da proposta é mesmo essa expertise particular, já que tem uma fundamentação teórica no Design da Informação, que considera a percepção visual e a literatura de atenção”, avalia a professora e pesquisadora da UFPR Carla Spinillo, que desenvolveu a proposta com o designer Carlos Urquizar Rojas, mestre em design informacional pela UFPR.
Com isso, a proposta teve como ponto de partida garantir na rotulagem obrigatória o respeito a princípios do Design Informacional como o de legibilidade (facilidade de distinguir letras), leiturabilidade (absorção rápida da mensagem) e articulação textual (escolha certa das palavras para a mensagem).
Isso porque a iniciativa verificou uma distância considerável entre as intenções da regulação atual da Anvisa e o que o consumidor vai encontrar. De acordo com os pesquisadores da UFPR, as normas desconsideram que nem todos os consumidores têm altos níveis de escolaridade e compreensão sobre nutrição. “Sabemos que o perfil da população brasileira não é este”, diz Rojas.
Soma-se a isso o fato de que as escolhas gráficas das embalagens não costumam valorizar os textos normativos. “Fica difícil de visualizar e ler a tabela e lista de ingredientes com letras tão pequenas, sem destaque, sem diferença de peso ou tamanho para sugerir hierarquia, e até aplicados sobre fundos com cores que não dão devido contraste na embalagem”, diz o designer.
Alerta em triângulos pretos
Assim, a proposta do Idec em parceria com a UFPR buscou soluções para esses problemas. Uma novidade para ajudar o consumidor é o alerta frontal nos rótulos sobre características marcantes dos alimentos — como presença de muito sal, açúcar, adoçante e gordura — seria feito dentro de triângulos pretos. A escolha forma se deu devido a uma regra do design informacional: a de que triângulo funciona como símbolo universal de advertência.
O formato também evita a situação enfrentada por consumidores no Chile, país que adotou uma norma de alertas nas embalagens avaliada pelo grupo de trabalho brasileiro. O octógono escolhido de forma aleatória acabou assimilado pelo design das embalagens, não chamando mais tanto a atenção quanto deveria.
“A ideia foi tirada da placa [de trânsito] ‘pare’, mas acabou sendo um tiro no pé”, avalia a professora Carla. “São muitos elementos para pouca área, fora que [o octógono] tem uma aparência que lembra um favo de mel e remete a doçura. Além disso, quando muito reduzido, perde o peso e parece um círculo”.
Já o preto foi considerado melhor do que outras cores mais chamativas por vários motivos. Primeiro, as embalagens de alimentos brasileiras costumam abusar de cores quentes, portanto qualquer cor do tipo prejudicaria o efeito de alerta. Em segundo lugar, está o significado do preto — uma cor ligada historicamente a regulação e obrigatoriedade, como as tarjas pretas dos remédios confirmam.
Para impedir que o alerta seja absorvido pelo design da embalagem, a proposta considerou ainda que o triângulo seja sempre impresso sobre um retângulo branco (no caso de embalagens coloridas) ou com contorno preto nas embalagens brancas.
O Idec também pretende que os alimentos que contenham alertas sobre reflexos nocivos do consumo para a saúde se abstenham de anunciar características consideradas “positivas”, como “fonte de vitaminas”.
De acordo com a nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto, a ideia é que as advertências sejam obrigatórias para os alimentos classificados como processados e ultraprocessados. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, esses são alimentos que precisam ter consumo limitado, enquanto o consumo de alimentos in natura e minimamente industrializados devem ser estimulados.
Além dessa situação, a sugestão é que recebam advertências produtos que excedem pontos de corte estabelecidos sob recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a quantidade de açúcar livre, gorduras saturadas, trans e total, sódio e adoçante. Essas recomendações da OMS visam a prevenção contra doenças crônicas e obesidade.
Novidades para regulação
Uma sugestão importante do projeto é a intenção de agregar à regulamentação da Anvisa regras relacionados ao design — tamanhos (mínimo e máximo no caso dos alertas), posicionamento e cores, por exemplo, especialmente para que a tabela nutricional se torne mais visível.
Outra ideia é convencionar a porção que é analisada na tabela nutricional para duas medidas: pacote inteiro e a cada 100 gramas. Hoje não existe qualquer parâmetro fixo, o que força consumidores a fazerem cálculos matemáticos diante da gôndola. Isso porque, em tabelas nutricionais de marcas diferentes, o mesmo tipo de biscoito pode ser avaliado a cada 30 gramas ou 35 gramas, por exemplo.
Ainda quanto à tabela nutricional, o projeto quer que fiquem claros ao consumidor, já de antemão, a quantidade de ingredientes. Esse é um dos critérios para medir o grau de processamento de um produto alimentício.
Em seguida, a enumeração dos ingredientes contaria com uma espécie de “tradução” para que o consumidor possa identificar melhor do que se tratam nomes não usuais, como o “palmitato de retinol” — mais conhecido como vitamina A. Caso o produto tenha ingredientes que renderam alerta, eles também seriam destacados na lista.
Na descrição de Rojas, o redesenho da tabela nutricional e da lista de ingredientes teve como objetivos a padronização e o uso de recursos gráficos para facilitar a leitura e a compreensão.
“Por exemplo: aumento seguro de contraste, aplicando sempre letras em preto sobre fundo branco, aplicação de negrito e letras maiúsculas e minúsculas para imprimir hierarquia às informações”, conta.
Próximos passos
Segundo a Anvisa, o processo para alteração da legislação sobre rotulagem de alimentos está em fase de recebimento de propostas preliminares, na qual a do Idec está incluída.
Após essa etapa, a agência informa que as propostas serão discutidas com um Grupo de Trabalho específico para que depois seja criado um cronograma para discussão do tema com a sociedade.
Para a nutricionista do Idec, a expectativa é que o assunto seja alvo de consulta pública ainda neste ano. Assim, as propostas seriam discutidas no colegiado da agência e, a nova regulação, seria publicada no início de 2018.
Segundo Ana Paula, a proposta do Idec deve se contrapor à da indústria alimentícia, que também participa do processo.
Enquanto o projeto do Idec aposta no sistema de advertências, o setor buscará emplacar um sistema de três cores, inspirado nos códigos de trânsito, a fim de destacar características negativas e positivas dos alimentos. Assim, se um alimento tivesse pouco açúcar, por exemplo, essa característica seria destacada em verde; já o excesso de gordura seria marcado em vermelho.
“Esse modelo tem limitações porque leva o consumidor ao engano”, acredita Ana Paula. ” Em produtos semelhantes, o consumidor não saberá distinguir o que é melhor. Por exemplo, o que é melhor: um produto com dois [alertas] verdes e um amarelo ou um produto com um verde, um amarelo e um vermelho?”, questiona.
Na visão do Idec, o sistema também beneficia certos produtos alimentícios cujo consumo não é recomendado pela OMS, como os refrigerantes sem açúcar que contêm adoçantes.
Apoio
Nessa etapa, a intenção do Idec e dos pesquisadores da UFPR é conscientizar o público sobre a discussão e levar a ele o conhecimento sobre a proposta que foca nos consumidores.
“Acredito que estamos enfrentando o maior desafio agora. Precisamos de força política e popular para que a Anvisa implante o modelo que é melhor para a população brasileira”, defende Rojas.