UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARANÁ

Cursos a distância ainda são vistos com preconceito

Portal UFPR: Muitos professores e alunos ainda olham com preconceito a Educação à Distância?

Gláucia da Silva Brito: Eu tenho constatado que sim, mas, quando questionados sobre o que sabem sobre Educação a Distância, o que sabem da história da Educação a Distância ou o que é Educação a Distância e quais as suas características, ficam quietos ou me dão respostas evasivas e muitas carregadas de pré conceitos ou mitos.

Portal: Quais são estes mitos e pré-conceitos?

Gláucia: O primeiro é que o ‘diploma é fácil’. Argumento sempre que o tempo de duração de um curso a distância é o mesmo que na modalidade presencial e que os diplomas de graduação e pós-graduação, sejam eles presenciais ou a distância, são equivalentes. Um outro mito é: ‘curso a distância é moleza’. Na verdade, muitas pessoas se frustram com o grau de dificuldade que encontram nos cursos a distância e não conseguem seguir adiante. O maior motivo de desistência dos cursos, segundo dados da Associação Brasileira de Educação a Distância, 61,8% dos matriculados na graduação e 45% dos da pós-graduação que evadiram em 2008 alegaram como motivo não ter tido tempo para se dedicar suficientemente, achavam que seria ‘moleza’. Quem se aventura a elaborar um projeto de um curso na modalidade a distância sabe que não é moleza, pois as etapas envolvidas no processo exigem dedicação e muita pesquisa. Aliado a este mito sempre aparece a crença de que ‘as avaliações não são difíceis’. Porém o nível de exigência das provas é o mesmo das aplicadas nos cursos presenciais. Muitas vezes, elas se tornam ainda mais difíceis pelo acúmulo de conteúdos cobrados. Isso porque, num curso de qualidade, o conhecimento sobre o material complementar disponível no ambiente virtual também é avaliado. O MEC tem exigido das Instituições que oferecem cursos a distância que as avaliações ocorram nos polos presenciais, sob o olhar dos tutores da turma. Se fossem feitas em casa, as chances de fraude seriam enormes. Nas graduações, há uma avaliação por disciplina, obrigatoriamente. Já nas especializações, são, no mínimo, duas provas escritas. Além disso, as boas instituições pedem, em média, dois trabalhos por semana, com hora limite para a postagem no ambiente virtual do curso.

Portal: Os alunos então acabam encontrando mais dificuldades num curso à distância do que esperam?

Gláucia: Um aluno uma vez me relatou o seguinte: ‘Pensei que fosse moleza, por isso optei por fazer um curso a distância, mas quando não consegui postar no ambiente um trabalho final de uma disciplina, me apavorei. Entendi que não tinha como encontrar o professor no corredor e inventar uma desculpa qualquer e entregá-lo. Me organizei e ando hoje com a agenda do meu celular sincronizada com a agenda do curso’.

Portal: Quer dizer, a plataforma virtual acaba sendo mais rígida que o próprio professor?

Gláucia: Os cursos que são organizados em ambientes virtuais têm uma característica importante: os recursos da plataforma na qual está o ambiente do curso permitem o registro de cada passo do aluno, dando destaque à avaliação processual. É possível saber quantas vezes ele entrou no ambiente virtual, o tempo passado em fóruns e chats e qual a qualidade dessa participação. Ma o uso da tecnologia reforça outro mito, o de que ‘o aluno fica isolado e não interage com os colegas’. Isto não é verdade. O MEC exige que sejam organizados momentos de convivência e interação entre os colegas nos polos presenciais, o que ocorre nas atividades complementares, obrigatórias por lei, como sessões de filmes, debates e encontros, e nas provas finais. As atividades em que todos devem estar online juntos, como chats, videoconferências, webconferência são outras estratégias que podem garantir a interatividade entre a turma se bem planejadas.

Portal: E por que então os preconceitos perduram?

Gláucia: Suely Scherer, pesquisadora em EaD, afirma que falar em uso de tecnologias, ambientes virtuais na EaD, é algo novo para muitas pessoas, e para outras, parece ‘impossível’. Por isso a EaD ainda é compreendida por muitos professores e alunos como um espaço para a ‘folga’ e para o descompromisso. Para alguns professores, parece difícil compreender que é possível educar quando os alunos estão distantes fisicamente, ou quando não estão todos reunidos no mesmo lugar. Isso é compreensível, pois este professores precisam conhecer as carcterísticas da EaD e vivenciar processos nesta modalidade, assim como em outras, para compreenderem as possibilidades de ensino e de aprendizagem que a constituem.

Portal: Você diria então que a EaD traz muitas vantagens, inclusive em relação à educação presencial?

Gláucia: Diversos autores apontam as características da Educação a Distância, destaco as seguintes: Democratização: pela EaD há possibilidade de educação para todos com redução ou eliminação das dificuldades de acesso a cursos. Representa a igualdade de oportunidades de formação, de modo especial para as pessoas que não puderam freqüentar a escola presencial em sua idade de escolarização. Esta característica pudemos perceber ao longo da história da EaD, e está presente até os dias de hoje. Individualização – atenção singular a cada sujeito em seu contexto de tempo e espaço de estudo. Autonomia: é importante desenvolver a capacidade de auto-organização, de autoprodução, a capacidade do estudante de emancipar-se, de se tornar sujeito da aprendizagem. A autonomia é a capacidade que precisamos desenvolver para organizar as nossas idéias, para fazer sínteses de pensamentos e usar os conhecimentos em diferentes situações, tirando nossas próprias conclusões. A EaD, se bem planejada, pode se constituir em um instrumento útil de formação do aprendiz e desenvolvimento de sua autonomia. Dialogicidade – é a possibilidade de diálogo consigo mesmo, com os colegas e professores, com os objetos de estudo, nos processos de reflexão e produção. O diálogo é possível quando há compreensão do outro, dos significados que atribuímos ao que é discutido, é a busca coletiva pelo entendimento de um objeto em estudo. Socialização – estimula a colaboração, o desenvolvimento da capacidade de participação de grupos, de gerar espaços sociais e políticos em seu entorno. Abertura: diversidade e amplitude na oferta de cursos.
No contexto histórico discutido anteriormente, percebemos esta característica ao observarmos o quanto os cursos podem ser ofertados de forma diferente, atingido a poucos ou muitos, com pequenas ou grandes distâncias, dispersos geograficamente ou aglomerados. Educação Permanente: a EaD é um caminho para a aprendizagem ao longo da vida. É a oportunidade de ampliarmos continuadamente nossos conhecimentos, seja para a vida profissional ou apenas para aprimoramentos na vida social e cultural. Afinal, podemos participar de formação continuada a partir de nosso tempo disponível, independente de estarmos próximos ou distantes geograficamente da instituição que a promove. Flexibilidade – essa modalidade foi criada para atender estudantes em diferentes necessidades, principalmente em relação a tempo e local de estudo. Construcionismo contextualizado – a proposta de EaD precisa atender ao interesse dos alunos, sugerindo produções a partir dos contextos que constituem a realidade destes.

Portal: Mas acaba faltando contato direto com o professor, não?

Gláucia: Professores e alunos podem ficar separados por uma diferença temporal e espacial. Este não é o problema.

Portal: E os alunos assimilam bem esta distância?

Gláucia: O aluno precisa aprender a fazer a gestão de seu tempo de estudo, pois cabe a ele escolher os melhores horários e locais para desenvolver os estudos. É importante incluir neste processo de gestão os horários de comunicação com colegas e professores. Mas os alunos são em sua maioria adultos, o que ajuda na adaptação.

Portal: Se o aluno deve se adaptar, as instituições de ensino também devem se preparar para a EaD. Quais são a condições exigidas para formar nesta modalidade?

Gláucia: Primeiro, recursos tecnológicos para viabilizar a interação entre professores e alunos: telefone, computadores com acesso a internet, tecnologia de videoconferência, entre outros. Além disso, há uma estrutura organizacional a serviço do aluno: sistema de informação e comunicação, secretaria, tutoria, equipe de produção de material didático, campus central, pólos de apoio presencial, etc. A linguagem para comunicação é a escrita, mas a depender do modelo de EaD outras linguagens são utilizadas como a linguagem sonora, de vídeo, usando recursos como o telefone, e-mail, ambientes virtuais de aprendizagem com fóruns, chats, webconferência, audioconferências. Os materiais didáticos usados são elaborados para o estudo independente da presença do professor, com linguagem clara, reflexões ao longo do processo, atividades avaliativas e sugestão de estudos complementares. Os materiais impressos têm grandes tiragens, contando na maioria das vezes com grandes equipes de trabalho para a criação e produção. Por fim, há uma tendência a uma estrutura curricular flexível, em módulos, por exemplo, possibilitando uma maior adaptação aos interesses de cada aluno.

Portal: E a preparação de aulas?

Gláucia: Os cursos são antecipadamente planejados, e os materiais são produzidos com antecedência. Há uma espécie de pré-produção. Esta pré-produção pode envolver a organização de materiais em textos impressos, programas de rádio e televisão, vídeos, material digitalizado e disponível em ambientes virtuais da internet.

Portal: O papel do professor muda bastante então?

Gláucia: Na EaD, é necessário um repensar, do papel do professor. Ele terá que se constituir em um parceiro dos alunos no processo de aprendizagem. Do ponto de vista pedagógico, o professor precisa saber orientar, aconselhar, e fazer a tutoria, tanto no campo da área específica da disciplina quanto na área pedagógica, relacionada ao processo de aprendizagem do aluno. Do ponto de vista tecnológico, precisa conhecer a relação entre as tecnologias de informação e comunicação e a educação (produzindo, avaliando, selecionando e definindo estratégias de uso de materiais didáticos e tecnologias para o processo de aprendizagem). Por fim, precisa ter formação didática específica na área em que irá atuar, planejando e avaliando ao propor metodologias da área específica que contribuam para a aprendizagem dos alunos. Neste sentido, torna-se importante a busca por formação continuada em sua área de atuação.

Portal: O aluno também é outro.

Gláucia: É necessário que os alunos repensem seus papéis também, pois quando este opta por matricular-se num curso a distância suas atitudes devem ser diferentes e ampliadas em relação a um curso presencial. O Aluno precisará ter autonomia, saber organizar e gerir o tempo e espaço, além de estar aberto para aprender, questionando as certezas que possui, pois a aprendizagem é um processo dinâmico e contínuo, que acontece na relação com os outros. Além disso, terá que saber trabalhar coletivamente, estar disposto a aprender com outras pessoas, expondo as suas proposições, estabelecendo uma relação de parceria e cooperação com colegas, professores e tutores.

Portal: Mas existem muitos cursos ruins à distância, onde tudo isso é fábula.

Gláucia: Há muitos projetos de cursos ofertados na EaD de baixa qualidade, ou seja, não consideram as questões acima especificadas. Nós da UFPR, enquanto instituição de ensino e pesquisa, temos avançado continuamente nas questões da ciência e da tecnologia e precisamos, neste momento, nos integrarmos aos movimentos de EaD, repensando e propondo processos educacionais de qualidade para esta modalidade.

Foto(s) relacionada(s):


Glaucia da Silva Brito, coordenadora pedagógica do Cipead
Foto: arquivo pessoal

Link(s) relacionado(s):

Fonte: Mário Messagi Jr